quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A a moda, a malandragem e os manifestantes


"Très chic, Madame!"

     Na quinta-feira passada, foi publicada no Diário Oficial da União a autorização, dada pela ministra da Cultura Marta Suplicy, para que o estilista Pedro Lourenço capte 2,8 milhões de reais pela Lei Rouanet para promover um desfile de moda em Paris. Très chic, non? No começo do mês, a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura havia dado um parecer negando o pedido do estilista. Mas Madame Suplicy intercedeu para que o benefício saísse, e então... voilà! Pedro Lourenço voará para Paris às nossas custas.
     Madame, sempre muito elegante em seus tailleurs bem cortados, escreveu um artigo hoje na Folha, justificando a decisão. No artigo, intitulado Moda é Cultura, a ex-ministra do prazer aéreo afirma que "a moda também gera símbolos. Marcas que, de tão importantes, se tornam até sinônimo da cultura do país. Atraem turistas, agregam valor a outros produtos e se, combinadas com gastronomia, música, monumentos, potencializam uma imagem positiva e contribuem para o 'soft power' do país".
     Entenderam? Num país como o Brasil, campeão de desigualdades, devastado por uma violência avassaladora, com bolsões de miséria e fome espalhados por todo o território, conceder quase 3 milhões de reais para um estilista rico fazer um desfile em Paris "potencializa uma imagem positiva" do Brasil. 
     Mas Madame deixa claro que "sem esses criadores, e outros que agora virão (espero as estilistas que trabalham com rendas nordestinas), nós não teremos condição de projetar nossas milhares de confecções charmosas que, com o tempo, darão alegria a tantas mulheres como quando hoje compram algo 'francês'". Tudo em nome do charme, portanto. Aguardem os milhões destinados aos colares de semente de melancia vendidos no centro de Sampa.
     E, enquanto nossa ex-ministra do prazer aéreo relaxa e goza com a fashionização dos recursos públicos, a Câmara dos Deputados manteve o mandato do deputado federal Natan Donadon, do PMDB-RO, já condenado pelo STF a 13 anos e 4 meses de prisão por peculato e formação de quadrilha, por ter desviado cerca de 8 milhões de reais da Assembleia Legislativa de Rondônia, um Estado paupérrimo. O deputado, que integra a bancada evangélica, já está preso há dois meses. Depois da decisão, foi cumprimentado por colegas como o deputado Sérgio Moraes (PTB-RS), aquele que disse à imprensa, tempos atrás, que estava pouco se lixando para a opinião pública. Segundo a Folha, ao saber da decisão, o deputado ajoelhou no chão do plenário da Câmara e gritou: "Não acredito!". É, eu também não.
Natan Donadon: condenado pelo STF,
teve seu mandato preservado pela Câmara.
     A pergunta que fica é: onde estão os manifestantes que protestaram contra os tais 20 centavos, contra o desaparecimento do Amarildo, contra a alta do Toddynho e contra o fim da série House? A inércia e a apatia da juventude que acha bonito quebrar agências bancárias, diante desses fatos estarrecedores, confirma as piores previsões sobre os movimentos de junho e julho - era onda, firula, fogo de palha, uma bagunça divertida e sem foco nenhum. Porque, quando os reflexos das piores tradições da velha politicagem brasileira se apresentam, nossos novos revolucionários parecem estar preocupados com alguma outra coisa.
     A manutenção do mandato de Natan Donadon abre um precedente para a manutenção dos mandatos dos condenados do Mensalão. Se isso ocorrer, os Vejeiros de plantão farão um escândalo, haverá algumas manifestações etc. Mas e agora? Diante desses dois retratos do Brasil velho, elitista e corporativista que teima em tentar voltar, não vejo o menor sinal de indignação da população. Só umas plaquinhas preguiçosas perguntando "onde está Amarildo?" (como se não tivéssemos uns 10 Amarildos por semana na periferia de Sampa) e uns resmungos da militância virtual nas redes sociais. Mas as ruas estão vazias.
     E o resto é silêncio.