quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Sociedade e autoridade - parte 1



O anúncio do experimento de Milgram. US$ 4,00
por uma hora do seu tempo. US$ 4,00 para
descobrir algo perturbador sobre si mesmo.

     Do que somos capazes, diante de uma autoridade que aceitamos?
     Há exatos cinquenta anos, em 1963, o psicólogo Stanley Milgram, da universidade de Yale, publicou no Journal of Abnormal and Social Psycology o artigo Behavioral Study of Obedience, resultado de um experimento iniciado dois anos antes, que ficou conhecido como Experiência de Milgram. Em 1974, Milgram lançou seu estudo mais aprofundado sobre a experiência, o livro Obedience to Authority: An Experimental View. O objetivo de Milgram era tentar entender como foi possível que as atrocidades praticadas pelos nazistas envolvessem um número tão grande de pessoas (segundo Milgram, "essas políticas desumanas podem ter se originado na mente de um único indivíduo, mas só poderiam ser executadas em escala massiva se um grande número de pessoas obedecessem a ordens"). Não por acaso, a série de experimentos teve início em julho de 1961, três meses após o início do famoso julgamento de Adolf Eichmann (que, por sua vez, também gerou uma obra indispensável, Eichmann em Jerusalém, de Hannah Arendt).
     Os voluntários eram informados de que participariam de um teste de memória, envolvendo dois participantes e um professor. Um dos voluntários, escolhido aleatoriamente, era preso a uma cadeira, ligada a um gerador de choques com 30 níveis graduais de voltagem, de 15 ("choque leve") a 450 volts ("perigo: choque severo"). O professor explicava aos voluntários que o objetivo do experimento era estudar os efeitos da punição na memória. O outro voluntário ficava na sala ao lado, sem enxergar o primeiro, e era o responsável por fazer as perguntas do teste de memória. A cada resposta errada, o voluntário precisava subir um nível de voltagem e aplicar o choque.
     Mas não se tratava de um teste de memória. O professor e o primeiro participante eram atores. O que Milgram queria estudar era a propensão à obediência a uma ordem vinda de uma autoridade constituída.
     À medida que o primeiro voluntário errava as perguntas, o segundo, orientado pelo "professor", aumentava gradualmente a voltagem dos choques. A "vítima", a partir de certo momento, começava a gritar e a pedir que o teste parasse. Quando a voltagem alcançava 300 volts, a "vítima" batia contra a parede atrás da qual estava o voluntário. O "professor", gentilmente, mas com firmeza, orientava o segundo voluntário (na verdade, o único participante real do experimento) a continuar. O teste previa quatro respostas padronizadas que o "professor" usava, sempre na mesma ordem, a partir do momento em que os participantes começavam a questionar se deveriam continuar a aplicar os choques:
     1) - Por favor, continue.
     2) - O experimento requer que você continue.
     3) - É absolutamente essencial que você continue.
     4) - Você não tem outra escolha, precisa continuar.
     Se após o uso da quarta resposta o voluntário continuasse relutante em prosseguir, o experimento era encerrado.  
     Quando se chegava aos 315 volts, a "vítima" batia novamente contra a parede e a partir de então ficava em silêncio. O "professor" informava ao participante que o silêncio devia ser interpretado como resposta errada, e a voltagem devia ser aumentada. O participante, sem ver a "vítima", sem saber se ela estava desacordada ou morta, continuava a aumentar a voltagem.
     Participaram do experimento 40 homens, entre 20 e 50 anos. Destes, 26 elevaram a voltagem até o grau máximo, embora muitos demonstrassem desconforto ao fazê-lo.
     Portanto, 65% dos voluntários se mostraram dispostos a aplicar choques em um completo desconhecido, mesmo após imaginá-lo desacordado ou morto, desde que uma autoridade lhes dissesse que aquilo deveria ser feito.
     O livro de 1974 apresenta variantes do experimento, algumas ainda mais desconcertantes. Milgram constatou, por exemplo, que se houvesse um segundo "voluntário" (também ator) decidido a aplicar os choques até o final, os participantes reais do experimento chegavam a 450 volts em 92% dos casos.
     A primeira versão da Experiência de Milgram foi repetida em 2009, e pode ser vista no documentário The truth about violence, dirigido pelo jornalista britânico Michael Portillo. Não sei se o documentário foi lançado no Brasil, mas encontrei um trecho bastante perturbador - e legendado. Dessa vez, a experiência foi feita com 12 voluntários, dos quais 9 aplicaram os choques até atingir a voltagem máxima.
     Na experiência original, 65% dos voluntários chegaram até o limite máximo de voltagem. Na experiência de 2009, foram 9 entre 12, portanto, 75%. Teremos nos tornado ainda mais violentos do que éramos em 1961?
     Gostamos de pensar que somos essencialmente bons. Mas estamos dispostos a torturar um desconhecido até a morte, se a isso formos ordenados por uma autoridade (a quem possamos transferir nossa responsabilidade por eventuais danos à vítima) que nos afirme que devemos fazê-lo e nos der uma razão que consideremos válida. Como o vídeo mostra, não é preciso que a autoridade nos coaja por meio da violência. Basta pedir com educação e firmeza.
     As doze pessoas envolvidas na experiência eram absolutamente comuns - um agente financeiro, uma estudante de biologia, uma personal coach etc. Nove foram até o final, apesar de a "vítima" gritar, pedir para ser libertada e finalmente ficar em silêncio, desacordada ou morta.
    O que cada uma dessas pessoas deve ter pensado a respeito de si mesma, após descobrir do que é capaz em determinadas circunstâncias? O que cada um de nós pensaria?
     Como você reagiria ao experimento? Como eu reagiria? Eu teria ido até o final? Em teoria, tenho certeza que não, mas o fato é que jamais vou saber.
     E talvez seja melhor assim.



5 comentários:

  1. Excelente. Um texto que rapidamente é lido, mas que dificilmente é esquecido.

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  2. É aquela história de que de de louco todo mundo tem um pouco, mas na verdade ninguém quer mostrar ou saber que tem essa loucura dentro de si. O ideal seria continuarmos achando que somos bons, que jamais faríamos algo absurdamente violento... mas o correto a sabermos o que temos escondido, ou ao menos termos uma noção do que somos capazes, ou seríamos capazes. Saber nos tornaria mais humanos e acredito que aprenderíamos a nos vigiar. E tentar agir como gente sabe? Mas como sempre a dominação ou o poder nos fazem prosseguir, fazendo o que for para prosseguir, seja com violência, seja com o que for necessário, seja ja com o que for ordenado....

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  3. Puxa! Vai fundo... O pior é que nós só podemos supor nosso comportamento, mas não dá para ter certeza como agiríamos realmente, sob a pressão da autoridade... De arrepiar!
    Obrigado por partilhar!

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  4. Muito interessante o texto. Estava vendo esses dias um vídeo, este aqui - http://www.youtube.com/watch?v=VdAydST7tgM, que mostram pessoas firmando "contratos da fé" para aquisição de terrenos no "céu" - é isso mesmo.

    É sabido que grandes líderes religiosos são autoridades, pois a meu ver exercem grande influência no cotidiano dessas pessoas, como cientistas, políticos, etc.

    Desse modo, consubstancia o entendimento da experiência realizada e só confirma o poder que estes (os líderes religiosos), exercem diante de seus fiéis, por exemplo.

    Isso René evidencia também práticas absurdas e os deixam muitas vezes cegos, é claro que em proporções bastante diferentes do texto abordado, mais não tem algum sentido conforme o título do texto - Autoridade e Sociedade? Abraços Lucas.

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  5. Foi assim no 3° reich, Hitler impôs aos alemães uma obediência fora do comum, sem usar a força, mas o poder que ele tinha era surreal, o que fez com que milhões de pessoas o seguissem, e não devemos culpa-los por isso, como vemos, todos nós estamos passíveis a sermos ''obedientes'' diante de uma ''autoridade''.

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