sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Quem ensina, quem aprende


            

         A decisão de uma menina de treze anos de usar a internet para protestar contra as condições precárias da escola em que estuda não só ganhou uma notoriedade inesperada, como também revelou problemas estruturais no sistema educacional muito mais profundos e difíceis de perceber do que um fio desencapado ou uma janela quebrada.
            Isadora Faber criou a página Diário de Classe – A Verdade no Facebook em julho de 2012 (depois de conhecer o blog de uma estudante irlandesa que reclamava da qualidade do lanche em sua escola) para mostrar o estado lastimável de portas, torneiras, instalações elétricas etc. da escola municipal Maria Tomázia Coelho, em Florianópolis (SC), onde estuda. As denúncias da estudante espalharam-se pela internet. Alçada à condição de celebridade virtual do momento, Isadora deparou-se com uma resistência inimaginável para qualquer educador digno do nome: professores, funcionários e a própria diretoria da escola passaram a criticá-la abertamente e a ameaçá-la pela exposição das mazelas escolares. A escola chegou a pedir a seus pais que tirassem a página do ar (eles recusaram). De acordo com Mel Faber, mãe da estudante, a diretora afirmou que os pais de Isadora poderiam até ser presos, por conta das fotos postadas na página.
            A inacreditável postura da escola só aumentou a exposição e a divulgação dos fatos. Diante da repercussão, a prefeitura de Florianópolis passou a tomar medidas para resolver os problemas. Sintomaticamente, vários outros “Diários de Classe” estão sendo criados Brasil afora, com a esperança de que o "impacto midiático" leve à solução dos inúmeros problemas pelos quais passam as escolas públicas brasileiras.
Fátima Viana Souza e sua filha, chamada
de "preta horrorosa e feia" pela avó de um aluno branco.
            Também em julho, uma menina negra de quatro anos foi xingada de “preta horrorosa e feia” pela avó de um aluno branco, na frente da diretora do Centro de Educação Infantil Emília, em Contagem (MG). A menina não dormiu à noite e, no dia seguinte, vomitou em sala de aula. A diretora disse aos pais que ela havia comido muitos salgados num piquenique da escola. Mas a professora Cristina Pereira de Aragão, inconformada com a omissão da diretora, pediu demissão da escola, procurou os pais da aluna e contou o ocorrido. Em entrevista ao jornal O Estado de Minas, Cristina contou que "a diretora disse que não iria comunicar nada aos pais da menina, nem chamar a polícia, pois esse tipo de problema acontece em qualquer escola e que se fosse brigar com toda família preconceituosa não teria ninguém estudando na sua escola. Fiquei revoltada e preferi me desligar da escola para não ser conivente com um ato criminoso". Segundo o jornal, a professora "acrescentou que tentou evitar que a menina escutasse as ofensas, mas a mulher apontou o dedo em seu rosto e a mandou ficar calada, afirmando que a professora recebia salário para dar aula para o neto dela". O caso foi parar na polícia.
            O que choca nos dois casos não são os problemas em si, mas a reação das diretorias das escolas aos fatos. Ninguém pode culpar uma diretora de escola pública por falhas estruturais decorrentes do descaso do governo, nem se pode pretender que qualquer escola impeça manifestações racistas por parte de parentes de alunos.  Mas se espera – e se deve exigir – que as escolas formem cidadãos. Que lições as diretorias dessas escolas passaram a seus alunos? Que falhas estruturais devem ser ocultadas, que as pessoas são racistas mesmo e isso deve ser aceito?
            Nos dois casos, as escolas não ensinaram nada a ninguém. Mas suas diretoras aprenderam duras lições. Isadora, que foi à escola para aprender, acabou ensinando – à escola, à diretoria e a todos os alunos que vêm seguindo seu exemplo. A professora Cristina deu uma lição inesquecível ao se desligar da escola. Nas duas situações o aprendizado foi atípico e heterodoxo. Isadora e Cristina mostraram o verdadeiro significado da palavra educação. Ambas estão de parabéns.



11 comentários:

  1. No primeiro caso acho que Isadora teve uma ótima iniciativa porem eu acompanhei um pouco da pagina dela e achei o abaixo assinado para a demissão de um professor no mínimo inútil, sim em escolas publicas temos professores que não se importam em dar uma aula mas também temos os que dão aula com o coração assim como os que não conseguem "domar" uma sala de "selvagens" que é a realidade hoje em escolas publicas (não posso citar em outras instituições pois nunca frequentei), eu tive professores que eram ótimos em suas áreas porem os alunos ofuscavam sua aula e muitas vezes fui conivente com isso, essa ideia de seguir o bonde não esta com nada e só hoje, onde bato muito a cabeça na faculdade aprendendo o que não dei valor para aprender antes enxergo que perdi muito. No segundo caso Cristina deu uma lição de cidadania, abrindo mão do que pode ser seu único ganha pão (e que não é o bastante para um mestre que forma um sociedade), cada vez mais esses casos que deviam ser comuns viram noticias por serem raros, verdadeiros mitos!

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    1. Paulo, concordo que demitir um professor não é pouca coisa e que controlar uma sala nem sempre é fácil (acredite, sei bem disso...). Mas o fato é que o professor não pode, em hipótese alguma, perder o controle da turma, ainda mais se tratando de crianças. Pelo que li (estou citando de memória, posso estar enganado, corrija-me se for o caso), tratava-se de um professor de matemática substituto, que não só não controlava a classe, como também não passava matéria alguma. Se foi isso mesmo, sem querer julgá-lo, a permanência dele com a turma não era de fato adequada. Mas repito, desconheço os detalhes e não quero julgar um colega.

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    2. Corretíssimo, com certeza se não adicionar favor não diminuir o peso do professor não é nenhum no quesito ensino, mas a escola e o estado não podem mandar um professor embora só por questão de um abaixo assinado se não qualquer aluno futuramente iria usar isso de má fé até de formas injustas, deveria sim ter uma vigilância, nas escolas assim ate mesmo não punir, mas com o ato de verificar se o professor esta mesmo dando sua aula faria o mesmo não se acomodar e deixar de lado o ensino.

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  2. Fui aluna da escola pública a vida toda e posso dizer que a situação é exatamente assim, mas culpados não são somentes os professores e diretores. Muitos trabalham de má vontade sim, mas outros realmente tantam revertar a situação (o caso dessa professora).
    Na escola em que fiz ensino fundamental as coisas não eram diferentes, banheiros precários, portas quebradas, algumas aulas improdutivas, isso quando tinhamos aula, pois tive dois professores que sequer apareceram durante o ano letivo. De professores que se importavam em nos ensinar, posso contar nos dedos quantos foram. Acho que o problema da escola pública só pode mudar após passar por uma reformulação geral, o mundo mudou, os tempos são outros, as crianças de hoje não se comparam há de 20 anos atrás (onde muitos professores começaram a lecionar), muitos alunos queriam fazer abaixo assinado pelos motivos mais banais do mundo -de não concordar com a forma que a aula era conduzida e até mesmo por achar o professor chato-, alguns foram entregues e nenhum obteve resposta. Acho falho usar do abaixo assinado nesse caso, é algo tão complexo que não cabe resolver dessa forma.

    Acho muito digno e muito corajoso o ato dessa menina, temos que lutar sim e agindo "contra" o governo sempre existirá represália, os pais dela estão certos em não excluir a página. E o caso de racismo, essa professora merece respeito, por mais pequeno que seja o ato não pode ser desconsiderado, discriminação é discriminação e se não der conta de fazer algo a coisa cresce.

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    1. Fran, o abaixo assinado é uma de muitas formas possíveis de protesto. A meu ver, quando uma diretoria recebe uma reclamação, por qualquer meio que seja, é seu dever apurar e avaliar se a reclamação procede ou não. Todo protesto precisa ser bem pensado e estruturado, pois um grupo que faça muitos protestos infundados tende a perder a credibilidade e a não ser ouvido mesmo quando tem razão.

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  3. René, também estou acompanhando a página da garota, e fiquei impressionada com sua atitude e principalmente maturidade, considerando ser tao nova. Parece que agora a escola resolveu trocar o professor de matemática que ela tanto criticava e está fazendo várias melhorias que ela própria está fotografando e publicando. Isso é a prova de que a mobilização através das redes sociais, se feita adequadamente, pode obter bons resultados. Ponto pra ela e para todos que usam sua indignação de forma produtiva! Julia

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    1. Júlia, o mais interessante dessa história é a proliferação de "Diários de Classe". Não chego a acompanhar, mas li algumas vezes a página da menina e também me impressionou sua maturidade - e também sua desenvoltura. Se ela de fato decidir se tornar jornalista (estímulo não lhe faltará depois dessa repercussão toda), acredito que o jornalismo brasileiro ganhará, no futuro, um grande nome.

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  4. René, não sabia dessa história da menina negra. Que tristeza, que mundo é esse?! A diretora conseguiu ser pior do que a avó. Nos resta protestar. As redes sociais estão aí para isso, pelo menos ajudam a estruturar o discurso e endereçar melhor as questões. Viva a menina de Florianópolis, viva a professora que se demitiu!

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    1. Concordo, a diretora foi pior do que a avó. Esta pode até ser uma debilóide racista, mas não assumiu compromisso algum com a educação de outras crianças além do próprio neto (que, convenhamos, também está numa roubada com uma avó dessas). A diretora desrespeitou o que sua própria profissão tem de mais essencial. Bancou o avestruz. Deveria procurar emprego em qualquer outra área - em Brasília, quem sabe.

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  5. É simplesmente repugnante e desesperadora a realidade de nossas escolas e , por consequência, da sociedade. Trilhamos o "milagroso avanço tecnológico" da modernidade porém proporcional e inversamente vagamos no caos bárbaro da imaturidade política e social.

    Endosso o post com a história do filho de uma amiga. O menino tinha bolsa no colégio em que a mãe lecionava e tudo ia bem até descobrirem que o menino fazia balé. O rapaz foi agredido verbal e fisicamente diversas vezes, inclusive em sala de aula diante de professores.Com o aumento da gravidade das agressões e a conivência da escola, a mãe decidiu transferir seu filho de colégio e foi DEMITIDA por este motivo. Meses antes, uma menina teve o braço quebrado durante o recreio neste mesmo colégio. Não estamos falando de colégio público de periferia, conforme o preconceito inconsciente nos leva a pensar, mas em um colégio particular situado em um bairro de classe média de São Paulo.

    Infelizmente a escola deixa de ser instrumento que potencializa o pensamento, a criatividade,a descoberta, a civilidade e tantas outras qualidades e acaba virando o epicentro deste tumor vergonhoso gerido pela estupidez.

    "Viva a menina de Florianópolis, viva a professora que se demitiu!"

    http://www.redetv.com.br/Video.aspx?124%2C28%2C269946%2Centretenimento%2Cmanha-maior%2Cmenino-e-agredido-dentro-de-sala-de-aula-por-gostar-de-bale

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  6. Racismo, homofobia, bullying, e as diretorias adotando a omissão como conduta padronizada. Não se trata de pretender que a sociedade não tenha problemas, eles sempre existirão. Não é o problema, é a reação a ele (ou melhor, a NÃO reação) que assusta.

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